quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A ALMA DA FOME É POLÍTICA

A fome e a exclusão, da terra, da renda, do emprego, do salário, da educação, da economia, da vida e da cidadania. Quando uma esposa chega a não ter o que comer, é porque tudo o que mais ja lhe foi negado. È uma espécie de cerceamento moderno ou de exílio. A morte em vida. E exílio da terra.
A alma da fome é política.
A história do Brasil pode ser contada da vários modos sob vários angulos, mas para a maioria ela é a história da industria da fome e da miséria. Um modo perverso de dividir omundo em dois, produzindo um gigantesco apartheid. Nesse campo, fizemos verdadeiros milagres de desnvolvimento. Um dos maiores PIB do mundo abraçado com a pobreza e a miséria mais espantosa. Aqui não houve lugar para o acaso. Tudo foi produzido como obra calculada. Fria.

O resultado está ai diante dos olhos de todos. Uam parte ostensiva, rica branca, educada, motorizada, dolorizada. Outra parte imensa na sombra, negra, analfabeta, dando duro todos os dias, comendo o pão que o diabo amassou em cruzeiros, reais. Dois mundos no mesmo país, na mesma cidade, muitos próximos pela geografia e infinitamente distantes como experiencia de humanidade.

A fome é a realidade, o efeito e o sintoma. O ponto de partida e de chegada. A síntese, a ponta do novelo a partir da qual tudo se explica e se resolve. Porque a fome não é episódica nem superficial. Revela fundo o quanto uam pessoa está sendo excluída de tudo e com frieza seu drama é ignorado pelos outros.

A realidade cotidiana de 32 milhões de pessoas vivendo na inteligencia, a população de uma Argentina. Os sem nada, os sem comida, habitantes do mundo da fartura, do terceiro exportador mundial de alimentos.
È gente que começa o dia buscando o que comer e que chega á noite sem nada. Pode se imaginar o quadro porque é o de todo dia para milhões de seres humanos:a frome de comida e de tudo. A essa altura da vida da humanidade é incrivel que isso aconteça. Como morrer de fome ao lado de 70 milhões de toneladas de grãos, de 8,5 milhões de hectares de terra, se todos esses brasileiros miseráveis ficariam saciados só com os 20% de desperdicio?

Pela fome de 32 milhões se revela a essencia humana do próprio país, aquele que é capaz de negar a condição humana de 20% de sua população. Afome é o atestado de miséria absoluta e o grito de alarme que sinaliza o desastre social de um país, que mostra a cara do Brasil.
Como a miséria é a sintese e o nó de um processo, desvendar e atacar a miséria é tambem um modo e o grito de alarme que sinaliza o desastre social de um país, que mostra a cara do Brasil.

Como a miséria é a sintese e o nó de um processo, desvendar e atacar a miséria é tambem um modo de refazer radicalmente o Brasil. È pegar o Brasil pelo um bigo. A negação radical da miséria é um postulado da mudança radical de todas as relações e processos que geram a miséria. È uma interpretação a tudo e a todos, é um passar a limpo a história, a sociedade, o Estado e a economia. È virar o Brasil pelo avesso, no concreto.

E assutador perceber com que naturalidade fomos virando um país de miseráveis, com que tranquilidade fomos produzindo milhões de indigentes. Acabar com essa naturalidade, recuperar e sentido da indignação frente a degradação humana, reabsolutizar a pessoa como centro e eixo da vida e da ação política é essencial para transformar a luta contra a fome e a miséria num imenso processo de reconstrução do Brasil e de nossa própria dignidade. Por isso acabar com a fome não é só dar comida, e acabar com miséria não é só gerar empregos, é reconstruir radicalmente toda a sociedade, começando por incorporar agora 32 milhões de seres humanos ao mapa da cidadania.

Assim como a miséria foi sendo construída com a indiferença frente á exclusão e á destruição das pessoas, a negação da miséria começa a se realizar com a prática cotiadiana, ampla e gtenerosa da solidariedade.
A frieza construiu a miséria. Construiu as cidades cheias de gente e de muros que as separam como estranhos que se ignoram e se temem. A solidariedade vai destruir as bases da existencia da miséria. È uma ponte entre as pessoas.

Por isso o gesto de solidariedade, por menor que seja, é tão importante. È um primeiro movimento no sentido oposto a tudo que se produziu até agora. Uma mudança primeiro movimento no sentido oposto a tudo que se produziu até agora. Uam mudança de paradigna, de norte, e eixo, o começo de algo totalmente diferente. Como olhar novo que questiona todas as relações, teorias, propostas, valores e práticas, restabelecendo as bases de uma reconstrução radical de toda a siciedade. Se a exclusão produziu a miséria, produzirá a cidadania pelna, geral, e irrestrita. Democrática.

A luta contra a miséria nos obriga a um confronto com a realidade naquilo que nos parece mais brutal: a pessoa desfigurada pela fome, desesperada pela comida ou por qualquer gesto de reconhecimento de sua existencia humana. Se a distancia perpetua a miséria, a solidariedade interrompe o ciclo que a produz e abre possibilidades imensas para se reconstruir a humanidade destruída em 32 milhões de pessoas e negada em outros milhões de pessoas que vivem na pobreza. Se a indiferença construiu esse apartheid monstruoso, a solidariedade vai destruir suas bases. E essa energia existe com uma força surpreendente entre nós, uma força capaz de contagiar quem menos espera e de produzir uma noca cultura, a de reencontro.

Quando o Movimento de Ação da Cidadania começou, ninguem esperava que fosse capaz de andar tão rápido, de se expandir com tanta força, e tocar tantas e tão diferentes pessoas, de encher auditórios e de se espalhar por todos os cantos do país.
Há uma tremenda força de mudança no ar, na na terra. Há um movimento poderoso, tecendo a novidade através de milhares de gestos de encontro. Há fome de humanidade entre nós, por sorte ou virtude de um povo que ainda é capaz de sentir, de mudar e de impedir que se consume o desastre, o suícidio social de um país chamado Brasil.


Escrito pelo sociólogo HERBERT DE SOUZA(Betinho), O A artigo foi publicado no jornal do Brasil, em 12 de setembro, de 1993

3 comentários:

  1. Excelente texto. A verdade propriamente dita. Grande sociólogo este Herbert de Souza.

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  2. Onde é quando esse texto foi bíblico

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    1. Ele foi publicado no Jornal do Brasil,Rio de Janeiro,12 de setembro de 1993

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